sábado, 17 de abril de 2010

Presidiários da Ternura

Na foto: Drummond, Vinicius, Bandeira, Quintana e Paulo Mendes Campos

“Quem coleciona selos para o filho do amigo; quem acorda de madrugada e estremece no desgosto de si mesmo ao lembrar que há muitos anos feriu a quem amava; quem chora no cinema ao ver o reencontro de pai e filho; quem segura sem temor uma lagartixa e lhe faz com os dedos uma carícia; quem se detém no caminho para ver melhor a flor silvestre; quem se ri das próprias rugas; quem decide aplicar-se ao estudo de uma língua morta depois de um fracasso sentimental; quem procura na cidade os traços da cidade que passou; quem se deixa tocar pelo símbolo da porta fechada; quem costura roupa para os lázaros; quem envia bonecas às filhas dos lázaros; quem diz a uma visita pouco familiar: Meu pai só gostava desta cadeira; quem manda livros aos presidiários; quem se comove ao ver passar de cabeça branca aquele ou aquela, mestre ou mestra, que foi a fera do colégio; quem escolhe na venda verdura fresca para o canário; quem se lembra todos os dias do amigo morto; quem jamais negligencia os ritos da amizade; quem guarda, se lhe deram de presente, o isqueiro que não mais funciona; quem, não tendo o hábito de beber, liga o telefone internacional no segundo uísque a fim de conversar com amigo ou amiga; quem coleciona pedras, garrafas e galhos ressequidos; quem passa mais de dez minutos a fazer mágicas para as crianças; quem sabe construir uma boa fogueira; quem entra em delicado transe diante dos velhos troncos, dos musgos e dos liquens; quem procura decifrar no desenho da madeira o hieróglifo da existência; quem não se acanha de achar o pôr-do-sol uma perfeição; quem se desata em sorriso à visão de uma cascata ; quem leva a sério os transatlânticos que passam; quem visita sozinho os lugares onde já foi feliz ou infeliz; quem de repente liberta os pássaros do viveiro; quem sente pena da pessoa amada e não sabe explicar o motivo; quem julga adivinhar o pensamento do cavalo; todos eles são presidiários da ternura e andarão por toda a parte acorrentados, atados aos pequenos amores da armadilha terrestre.”

(Paulo Mendes Campos - O Anjo Bêbado)



3 comentários:

  1. Los Muertos

    No son los muertos los que en dulce calma
    La paz reposan de la tumba fría.
    Muertos son los que tienen muerta el alma,
    Y viven todavía.
    No son los muertos, no, los que reciben
    Rayos de luz en sus despojos yertos.
    Los que mueren con honra son los vivos,
    Los que viven sin honra son los muertos.
    La vida no es la vida que vivimos,
    La vida es el honor, es el recuerdo;
    Por eso hay muertos que en el mundo viven,
    Y hombres que viven en el mundo, muertos.

    Ricardo Palma

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  2. Ola Professora, adorei seu blog, sou sua aluna no CLMD.
    Vou adorar sua visita no meu cantinho também!
    Beijos

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